sábado, 15 de dezembro de 2007

O Pantelhão Nacional


Narcísiotónio Malemérito Patacoeiras, esse grande vulto da nossa praça cultural e autor de brilhantes patacoadas, fez-me esta semana compreender o porquê de muitos dos fenómenos que ocorrem por terras castrejas. Diz-me ele que as pessoas, como eu já advogara, precisam mesmo de um rastreio visual para poderem ver as coisas como elas realmente são. Mas passo a citá-lo de imediato, sem mais delongas retóricas:

“... Por exemplo, Inquiridor Faifas, o suposto atraso nas obras, com os seus adiamentos ad eternum, corresponde, na realidade, a um adiantamento, ou, se preferir, a um avanço de matriz cultural que custa ao cidadão castrejo mediano compreender dentro dos estreitos limites das suas capacidades. Cada vez mais, os governantes destas terras procuram um alinhamento com a História do País e com todos os símbolos e estórias que fizeram dele o que é hoje – este paraíso da trafulhice e do bota-pra-lá! E estão a consegui-lo, indubitavelmente! Repare, Inquiridor Faifas, você, melhor do que ninguém, pela sua formação académica historiográfica, sabe o quão entranhada nas vísceras da alma lusitana se encontra a narrativa mitológica das obras de St.ª Engrácia, local entretanto convertido em edifício do Panteão Nacional, e onde honrosamente repousam alguns dos expoentes máximos da nossa cultura.
É exactamente este o projecto dos governantes castrejos para a sua terra: transformá-la numa espécie de Capital do V Império, com todas as figuras e monumentos que o aglomerado olissiponense ostenta. Mas, é claro, tem de haver adaptações, porque a Princesa Serrana... é sempre a Princesa Serrana, e isso metrópole alguma poderá ensombrar.
Posso, entretanto, levantar um pouco a ponta do véu que tapa este tão grandioso projecto: como as coisas têm e devem ser feitas de acordo com os padrões locais, estou em condições de afirmar publicamente que em breve – digamos, daqui por duas gerações... - teremos as nossas obras concluídas: as obras de St.ª Semgrácia! Finalmente! Nessa altura, os cidadãos castrejos, em romaria, poderão visitar o interior deste majestoso projecto, podendo então contemplar as tumbas de algumas das individualidades que mais se destacaram no panorama cultural castrejo: Amália Vigarigues, fadista de renome e intérprete, entre outros temas, desse tema tão genuínamente castrejo, “Povo que lavas dinheiro”; João dos Meus, esse grande peidagogo, prolífico autor, que lavrou pelo seu punho próprio o “Quartilho Maternal”, sobre a quantidade de vinho tinto a ser considerada na confecção das Sopas de Cavalo Exaurido, iguaria local que tão importante papel desempenhou na morigeração das gerações castrejas pelas suas figuras maternais; e, para não referir outros, Almeida Garrote, literato eminente (e também litrado...), em relação ao qual não poderemos nunca deixar de referir esse conjunto tão ímpar de poemas reunidos sob o título de “Notas Caídas” (subtítulo: “...do Bolso do Contribuinte”).
Estas e outras figuras gozarão com certeza um merecido sono eterno na reclusão dos seus sarcófagos no interior do edifício do Pantelhão Nacional. Mas, é claro, como em relação a qualquer Pantelhão, há sempre chatos que gostam de intervir e de causar, como dizê-lo metaforicamente? ah, uma certa comichão, é isso. Mas como já diz o outro, quem tem chatos que se coce, e bem vistas as coisas, numa terra onde tanto impera a micose, os chatos tornam-se um espécimen imprescindível à sobrevivência e equilíbrio do ecossistema político!...”