domingo, 6 de janeiro de 2008

A maldição de Salvatore... ou a cláusula maldita!


Era já alta madrugada quando ouvi um imenso rebuliço pelas ruas do Crasto. Vim à janela e vi que algo de errado se passava. Todos corriam, de um lado para o outro, de tochas acesas na mão, e todos tinham na cara uma expressão de desespero, como se a morte os perseguisse. Vesti o meu robe, pus o barrete, calcei as chinelas e desci o escadario de pedra em direcção à rua. Conforme abri a porta, estancou à minha frente um desses indivíduos que corriam pela calçada abaixo, esbaforidos. Os seus olhos estavam raiados de sangue, espumava pela boca, e o seu rosto contorcia-se numa expressão desfigurada que lembrava um sonho terrível. Mas que se passava?
Em redor do pobre homem arrastavam-se vários elementos da sua família, como um cortejo de almas penadas. Ele mal se conseguia exprimir. Balbuciava, como um homem bêbedo, e a maior parte do que dizia era para mim imperceptível. Entre palavras que saíam, quase estranguladas, da garganta aflita daquele homem, e grunhidos quase inumanos, consegui perceber a razão daquele cenário quase dantesco: Salvatore, um famoso cantadeiro local, fora, na noite anterior, corrido da OS (Operação Strunfo), e preparava-se, nas próximas horas, para regressar ao seu posto na praça de táxis.
Motivo: descobrira-se que Salvatore possuía ligações familiares a um tal padrinho no seio da RTP (RADIO TELEVISIONE PROVENZANO), o que podia suscitar suspeitas de favorecimento, quando no contrato de Salvatore se encontrava uma cláusula que o impedia de concorrer caso existisse qualquer conexão daquela natureza...
Confusão geral! Todos pensavam agora que essa mesma cláusula viria, como uma maldição, com o regresso de Salvatore, e que ninguém escaparia! Dirigi-me, a toda a brida, ao ilídio municipal. Alguém teria que impor a ordem.
Uma franja de populaça cercava o edifício, e só a muito custo que consegui acercar da porta principal, onde constava um édito lavrado pelo punho de Amália Vigarigues e o seu ominoso grumete, Giro e Roto. Dizia, resumidamente, o seguinte: SAUVE QUI PEUT!!!
A maldição concretizava-se! Todos os que possuíssem relações familiares dentro do ilídio estariam sob o raio de acção da cláusula e não poderiam escapar! Todos seriam enxotados, sem apelo nem agravo! Sobraria, quê? o varredor do lixo e pouco mais...

Entretanto, num bunker inacessível do ilídio municipal....
- Porra, Giro e Roto, sempre te disse que mandar esse tal Salvatore lá para a Operação Strunfo seria uma péssima ideia... Era deixá-lo andar aí nesses desafios com aquele nosso funcionário, o Cataneiro, que estava muito bem. Agora...
- Tem calma contigo, Amália...
- Calma? Já viste bem aqui o organigrama do nosso ilídio? Entre amigos, primos e sobrinhos metidos pela porta do cavalo, temos mais afilhados que o chefe da máfia napolitana!
- Amália, non priocupare, o que importa é la pasta, la pasta...! Telefona mas é aí para o Dolce Mitra, ou então para a Pizzaria Frocha, e manda vir duas de pauperoni, que eu estou com uma larica...