terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Opinião dos Leitores


Eu refastelado na minha espreguiçadeira e o Dr. Narcísiotónio Malemérito Patacoeiras a incomodar-me com um telefonema de longa distância, a invocar que se roga o direito de me perturbar o descanso com base em descobertas de grande porte. O homem às vezes parece-me doido, mas como já alguém disse que todos os génios têm a sua doideira, eu desculpo-o por isso e, assim sendo, dou-lhe luz verde para as suas intervenções. Lá vai o que ele me pediu para transmitir. Leiam vocês, porque eu nem quero saber. Vou continuar a beber o meu batido de frutas e a curtir a paisagem meridional...

“Ultimamente, e já que o meu amigo Inquiridor decidiu meter férias, ainda que forçadas, aproveitei e fui procurar na minha biblioteca pessoal aqueles livros e tomos que o tempo vai lentamente carcomindo, embora não seja por isso que o que eles contêm deixe de se manter actual e cheio de valor. Por isso, esta semana regressei à leitura dos clássicos. Tenho mesmo algumas preciosidades, coisas que estavam na Biblioteca de Alexandria e que o destino e a sorte dos tempos trouxeram, por fim, à minha posse.
Aristóteles, Platão, Epicuro, essa gente toda encontra-se arrumada em estantes que já vergam sob o peso não sei se dos próprios livros, se da magnitude das ideias que eles têm lá dentro. Indiferente a tudo isso, comecei a ler, e o que mais me tem atraído a atenção têm sido mesmo os silogismos, aquela coisa meia do discurso, meia da matemática, não sei bem, e que trata da lógica e do sentido. Bom, como o meu cérebro, exaurido pela idade, não dê para mais, fiz o que sempre faço: tento pôr as coisas na prática a ver se através desse método consigo lançar alguma luz nas teorias e nos princípios que a mim às vezes parecem tão distantes de perceber.
E assim fiz. O meu raciocínio, para ter interesse, foi sobre essa temática também ela já provinda dos latinos: a CORRUPTIONE. Portanto: Se ser corrupto consiste em roubar o povo, e o político X rouba o povo, então o político X é corrupto. Ou seja, se A=B, e C=B, então C=A e vice-versa. Brilhante! Continuando a aplicar a mesma técnica: Se o dinheiro público é do povo, e o dinheiro das autarquias é dinheiro público, então o dinheiro das autarquias é dinheiro do povo. Estou mesmo a ficar bom nisto!
Continuando: Se se utiliza o erário público com rigor, há justiça, mas se a autarquia Y utiliza o erário público sem rigor, então não há justiça – em que a negação de uma das premissas implica automaticamente a negação da conclusão. Olha, afinal isto até é fácil! Estou mesmo entusiasmado. Vou fazer mais: Então se a ausência de justiça corresponde a um acto criminoso, não se utilizando com rigor o erário público há, automaticamente, uma situação de injustiça, logo há crime! Justiça é o povo receber aquilo a que tem direito, utilizar o erário público sem rigor corresponde a uma negação de justiça, logo o povo não recebe aquilo a que tem direito. Ai meu Deus! Ninguém me pára! E eu que até pensei seguir Filosofia e não segui por achar chato! Continuando: Se o povo não recebe aquilo a que tem direito, estão a roubá-lo, e se uma autarquia Y utiliza erroneamente o erário público, o povo não pode receber aquilo a que tem direito, donde resulta o corolário de que, esbanjando o erário público, a autarquia está a roubar o povo, o que, como vimos de início, significa, com toda a lógica, que dessa autarquia um ou mais políticos X são corruptos, porque ao esbanjar em megalomanias e em investimentos estapafúrdios e descontrolados privam o povo de fundos seus de direito, e quem priva terceiros do que é destes mesmos terceiros, é simples de perceber, rouba-os!
Mas isto, meus amigos, silogisticamente falando, é claro. Os silogismos são apaixonantes, mas ainda me encontro longe de perceber onde é que eles tocam a realidade em pleno e onde é que eles correspondem a um mero ludismo mental. Mas vou continuar a escarafunchar nestes velhos livros, tão boa companhia para quem já sofre as intempéries do outono da vida.
Mas só me questiono: haverá crime onde os próprios cidadãos se deixam roubar? Afinal, apenas é preciso que o malandro venha de fato e gravata..."